1. Contextualização
O processo de acidificação da matriz rochosa composta por carbonatos possibilita, não só remover ou contornar danos na vizinhança do poço, mas também, melhorar a permeabilidade
ao redor do mesmo, criando grandes canais para o escoamento, por meio da dissolução dessa matriz pelo ácido injetado. A química da acidificação da formação com carbonatos ocorre basicamente pela reação dos minerais calcita (CaCO3) e/ou dolomita (CaMg(CO3)2) com ácido clorídrico (HCl) e seus produtos de reação são solúveis no ácido gasto. Todavia, os aspectos físicos e da engenharia do processo de acidificação de carbonatos são muito mais complexos.
A complexidade é ditada pela alteração significativa da estrutura da rocha pela reação de dissolução, que aumenta a diferença de permeabilidade entre as zonas tratadas e não tratadas. Nesse contexto, quando uma zona é tratada, o ácido fluirá através dela, deixando outras regiões do reservatório sem tratamento, ou seja, depois de uma determinado tempo, a região tratada torna-se um sumidouro do ácido sem ganhos de permeabilidade relevantes, deixando outras regiões tratadas, este cenário é observado na Figura 1. Por isso, em casos onde esses caminhos preferenciais não alteram mais os valores de baixa permeabilidade, os agentes divergentes podem ser usados para reduzir esse efeito. Esses agentes atuam bloqueando os caminhos preferenciais previamente formados, forçando o ácido injetado a percorrer outros caminhos ainda não estimulados.
Figura 1: Exemplo de um tratamento mal sucedido cuja propagação do ácido ocorre na zona mais permeável
(Adaptado de [1] ).
2. Aspectos do processo
Embora ao longo dos anos muitos produtos e técnicas tenham sido desenvolvidos na indústria para divergência (desvio) de escoamento. Existem duas técnicas distintas que podem ser aplicadas para realizar o desvio de escoamento, sendo a primeira denominada desvio mecânico e a segunda desvio químico. A diferença fundamental entre um desvio químico e um mecânico é que um agente de desvio químico aumenta a resistência do escoamento no interior dos canais criados, enquanto que, um processo de desvio mecânico controla o ponto de entrada de fluido no poço. A seleção do método adequado depende de vários parâmetros, como aplicabilidade, acessibilidade e custos associados. A aplicabilidade de um método de desvio depende principalmente do reservatório e das propriedades do poço. Além disso, a combinação dessas técnicas, geralmente, é praticada para aumentar a eficiência.
2.1 Desvio mecânico
No desvio mecânico, a zona de alta permeabilidade é bloqueada mecanicamente e o fluido é forçado a passar por uma zona de baixa permeabilidade. As principais técnicas mecânicas são:
1. Abordagem de estágios múltiplos e independentes;
2. Abordagem multi-estágios (com estágios dependentes);
3. Perfuração com entrada limitada;
4. Bombeamento de alta vazão;
5. Tratamentos transportados por flexitubo; e
6. Esferas seladoras.
2.1.1 Abordagem de estágios múltiplos e independentes
Um exemplo desse tipo de abordagem são os desvios mecânicos com "straddle packers" , que consistem em packers com zonas fechadas e abertas para injeção, conforme mostra a Figura 2. Esse tipo de abordagem pode encontrar vários problemas, como a comunicação de fluidos e o comprimento total do intervalo relacionado ao tempo disponível da sonda.
Figura 2: Ilustração de "straddle packer"; no poço produtor (Adaptado de [2]).
Esta técnica pode ser adequada para o poço de exploração com vários intervalos de teste curtos e, geralmente, são combinadas com outras técnicas, como os desvios químicos. Esses procedimentos são extremamente custosos e, consequentemente, menos utilizados.
2.1.2 Abordagem multi-estágios com estágios dependentes
Nessa abordagem a estratégia envolve a perfuração e a estimulação simultâneas, onde zonas de baixa permeabilidade são perfuradas e estimuladas antes das faixas de permeabilidade mais altas. A vantagem dessa abordagem é um tratamento de estimulação controlada nas regiões de baixa permeabilidade.
2.1.3 Perfuração com entrada limitada
A entrada limitada é usada para estimular carbonatos densos por meio do uso de perfuração de baixa densidade (poucas perfurações de canhoneiros). A contrapressão criada aumenta a pressão do poço e força os fluidos de estimulação em zonas com menor permeabilidade. Uma das principais desvantagens desta técnica, especialmente em poços de gás com vazões
elevadas, é um aumento no fator skin e seu efeito na pressão de produção.
2.1.4 Bombeamento vazão alta
Baseada no método de diferencial de pressão e vazão de injeção máxima. Nesta técnica, o ácido é bombeado na vazão mais alta e sob pressão de fraturamento. O conceito é similar ao método de entrada limitada, porém ao invés reduzir a densidade dos canhoneios, aumenta se a vazão, criando o mesmo efeito. Este método é limitado pelo tamanho de completação e os limites de pressão da superfície.
2.1.5 Tratamentos transportados por flexitubo
Esse método faz uso do flexitubo (tubo flexível), sendo um tubo de metal muito longo, normalmente de 1 a 3,25 pol. (25 a 83 mm) de diâmetro, enrolado em uma bobina grande (Figura 3). Ele é frequentemente usado como um método de transporte para o tratamento de estimulação, especialmente em um poço horizontal. As vantagens do flexitubo na acidificação estão são: o volume da corda do TC é pequeno e o fluido pode ser movido rapidamente; possibilidade de tratamento em diferentes intervalos por meio de bocais de fixação; e evita que os fluidos corrosivos entrem em contato com a tubulação toda. Dentre as principais desvantagens estão: as limitações de vazão da bomba (pressões de fricção mais altas), sólidos como selantes de esfera são difíceis de colocar usando CT; combinações de ácido devem ser inteiramente misturadas antes da injeção; e, durante a injeção, pequenos poços na coluna podem rapidamente levar à falha da tubulação.
Figura 3: Flexitubo enrolado na bobina (Adaptado de [3]).
2.1.6 Esferas seladoras
Esse método é um dos mais amplamente aplicados em poços perfurados. As esferas são normalmente utilizadas como material aditivo ao ácido e injetadas na perfuração. Dois tipos de esferas seladoras são de borracha ou biopolímero. A ideia é que a esfera siga a trajetória do fluido, incluindo sua entrada na perfuração. Portanto, como o tamanho da esfera é maior do que do buraco de canhoneio, ela bloqueará a entrada do fluido nas zonas mais permeáveis até que a pressão do poço seja maior do que a pressão do canhoneio. Esse mecanismo é observado na Figura 4.
Figura 4: Esferas seladoras ao entrar no poço (Adaptado de [5])
2.2 Desvio químico
Portanto, os agentes químicos de desvio podem ser considerados como agentes internos. O desvio químico pode ser alcançado usando o fluido que fornece uma barreira temporária para a formação e altera a direção do fluido de estimulação para os locais desejados. Os tratamentos de estimulação sem sonda levam esta abordagem como a melhor solução, já que a sonda não requer mais a execução do isolamento mecânico por zonas. As principais desvantagens deste método são: a enorme diferença de permeabilidade em fraturas, fissuras e falhas naturais; e a presença de zonas de água. Com base no mecanismo de aumento local da viscosidade, os agentes químicos dividem-se em três grandes grupos:
1. Espuma;
2. Partículas, como grânulos de sal, ácido benzóico, ceras, resina solúvel em óleo e fibras; e
3. Desviador viscoso, como o ácido emulsionado, o ácido gelificado e o gelificado in situ
(polímero e VES).
2.2.1 Espuma
Essa técnica usa uma dispersão de um gás em um líquido, sendo o gás a fase não contínua e o líquido a fase contínua. Sua estabilidade é amplamente afetada pela natureza do fluido com o qual entra em contato. Além disso, o próprio ácido pode ser espumado com a adição de gás e um surfactante, ou a espuma pode ser injetada em pastilhas alternadas com ácido. A energia de mistura fornecida ao forçar as duas fases através do meio poroso é o mecanismo de geração da espuma. À medida que essa mistura escoa no meio poroso, mais espuma é formada, aumentando a resistência ao movimento através da formação até que a pressão necessária para o escoamento exceda a pressão necessária para atingir outras regiões de menor permeabilidade na formação, conforme mostra a Figura 5.
Figura 5: Desvio químico por espuma (Adaptado de [4]).
2.2.2 Partículas
O desvio provocado por partículas é uma técnica comum usada na formação de carbonato. Os agentes de desvio são partículas finas que formam uma torta de filtração com permeabilidade relativamente baixa na face. A queda de pressão através desta torta aumenta a resistência ao escoamento e desvia o ácido para outra parte da formação.
2.2.3 Desviador Viscoso
Um desviador viscoso (gel viscoso) é baseado na alta viscosidade ou propriedade viscoelástica para diminuir a taxa de penetração do fluido nos canais de alta permeabilidade, desta forma aumenta a possibilidade do ácido injetado depois do desviador entrar em contato com regiões de baixa permeabilidade. Os géis viscosos usam uma solução de polímero ou um surfactante viscoelástico (VES).
Desviadores baseados em polímeros deixam resíduos na quebra do gel (processo que desfaz a estrutura do gel), podendo prejudicar a estimulação por danificar a matriz ou a superfície dos canais dentro da matriz porosa. Entretanto, o gel à base de surfactante não danifica a formação, mas possui como principais desvantagens a possibilidade de não desfazer a estrutura do gel, além de formar a emulsão com o óleo do reservatório. Uma tecnologia aprimorada desse método de desvio é o ácido gelificado in-situ, pois ele realiza a estimulação e desvio simultaneamente.
Um ácido gelificado in-situ usa um polímero único ou surfactante químico para produzir um sistema de ácido que possui baixa viscosidade antes de reagir com as rochas carbonáticas. A
principal diferença deste ácido em relação ao ácido gelificado externamente é a ativação prévia do último na superfície. Sendo assim, quando atingem a superfície da formação, a viscosidade é a mesma tanto para as zonas de baixa e alta permeabilidades. Enquanto que, o ácido gelificado in situ aumenta a viscosidade dentro da formação e, portanto, quando ele entra pela primeira vez na zona de alta permeabilidade e gera caminhos preferenciais, sua viscosidade torna-se superior ao do ácido ainda no poço. A consequência dessa mudança é o contraste de injetividade, que fornece resistência extra na região de alta permeabilidade já tratada. Por isso, o ácido possui maior chance de entrar na zona de baixa permeabilidade.
3. Ácidos gelificados in situ com surfactantes (auto-divergentes)
Um sistema de ácido gelificado in situ à base de VES possui um surfactante viscoelásticos como aditivo do ácido. Os surfactantes viscoelásticos (VES) são amplamente aplicados na indústria devido à capacidade do monômero surfactante de se associar e formar certas estruturas sob determinadas condições do meio, permitindo um aumento na viscosidade aparente e nas propriedades elásticas do fluido. Durante o bombeamento no poço, o VES é misturado com a solução ácida e mantém a viscosidade baixa. Entretanto, à medida que o ácido penetra na formação, o pH aumenta e os produtos da reação, CaCl2 e MgCl2, as moléculas do surfactante começam a se agregar em micelas alongadas que causam um aumento da viscosidade e da elasticidade do fluido. Em seguida, com a produção do óleo pelos caminhos preferenciais, o ácido viscoso entra em contato com os hidrocarbonetos, alterando as propriedades iônicas do do meio e transformando as micelas do ácido em um formato esférico. Finalmente, as micelas vagam livremente e a viscosidade do fluido reduz drasticamente, permitindo uma limpeza eficiente pós-estimulação. Um resumo do processo supracitado é representado na Figura 6.
Figura 6: Processo de atuação do ácido gelificado in situ com surfactante (Adaptado de [1]).
4. Simulações em escala de plugue
Nesta seção são ilustradas algumas simulações em código aberto (OpenFOAM) para uma estimulação com ácido gelificado in situ à base de VES em escala de plugue. As simulações são em uma geometria 2D composta de campos aleatórios de porosidade gerados por uma distribuição normal com três diferentes desvios-padrões (1%, 5% e 10%). Além disso, também foram geradas três camadas de diferentes permeabilidades conforme ilustrado na Figura 7.
Figura 7: Campos de permeabilidade (esquerda) e porosidade (direita) do meio poroso simulado.
Na Figura 8 verifica-se que o ácido gelificado in situ realmente caminhou para a região de maior permeabilidade. Com isso, nota-se tanto a formação dos produtos de reação, como a alteração da viscosidade com 160 segundos de injeção pela lateral esquerda do plugue.
Figura 8: Perfis de concentração dos produtos e da viscosidade do fluido.
Nesta mesma simulação também foi acompanhado o aumento de permeabilidade e a variação da viscosidade ao longo do tempo, como mostrado na Figura 9 e Figura 10.
Figura 9: Perfis de permeabilidade e viscosidade do fluido injetado em 260 s.
Figura 10: Perfis de permeabilidade e viscosidade do fluido injetado em 450 s.
5. Referências
[1] Reza Abdollahi, Hamid Esfandyari, Mahdi Nadri Pari, Afshin Davarpanah; Conventional
diverting techniques and novel fibr-assisted self-diverting system in carbonate reservoir
acidizing with successful case studies; Petroleum Research, 2021.
[2] https://www.slb.com/well-intervention/coiled-tubing-intervention/active-real-time-downhole-
coiled-tubing-services/active-straddle-packer (Acessado em 10/09/2021).
[3] https://en.wikipedia.org/wiki/Coiled_tubing (Acessado em 10/09/2021).
[4] Hui Yuan, Xiao Chen, Nianyin Li, Hongyu Zhou, Yunlei Gong, Yuan Wang; Numerical
simulation of foam diversion acidizing in heterogeneous reservoirs, Petroleum, 2021.
[5] Asiri, K.S., Atwi, M.A., Bueno, O.J., et al., 2013. Stimulating naturally fractured carbonate
reservoirs. Oilfield Rev.
[6] Nasr-El-Din, Hisham & Hill, Alfred & Chang, Frank & Sultan, Abdullah. (2007). Chemical
Diversion Techniques Used for Carbonate Matrix Acidizing: An Overview and Case Histories.
Proceedings - SPE International Symposium on Oilfield Chemistry. 10.2118/106444-MS.
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