Produção de gás natural: uma oportunidade para captura de carbono
A produção de gás natural aumentou de 3029.8 para 3867.9 bilhões de metros cúbicos entre 2008 e 2018 (BP Statistical, 2019). Um dos possíveis problemas associados a esse aumento de produção é a alta concentração CO2 em alguns reservatórios em relação ao limite máximo para fins comerciais, principalmente no Pré-Sal como é conhecido no Sudeste Ásia, Itália, Austrália Oriental e Brasil (Relatório ANP, 2019). Como CO2 é um dos principais gases do efeito estufa, a Captura e Armazenamento de Carbono (CCS) é frequentemente discutido como uma potencial solução não apenas para reduzir a mudança climática, mas também para armazenar e reutilizar esse gás (Yan & Zhang, 2019). O CCS é um processo que coleta dióxido de carbono de fontes industriais e de geração de energia, em vez de liberá-lo para a atmosfera. A forma mais bem estabelecida de utilização de CO2 é a reinjeção em reservatórios de petróleo e gás para aumentar sua extração como um método de recuperação avançada de petróleo (Enhanced Oil Recovery - EOR) (Menter, 1994).
Métodos convencionais para capturar CO2
Existem diversos métodos de captura de CO2 com seus respectivos impactos ambientais, dentre os principais está a absorção à base de amina, que além de ser um processo caro devido ao custo de regeneração dos solventes, também traz problemas operacionais como corrosão, degradação da solução e formação de espuma (Maddox & Morgan, 2006; Mondal et al., 2012). O segundo, é baseado no uso de membranas para gás, apresentando problemas com umectação e estabilidade da membrana. Uma terceira alternativa é o processo criogênico usado comercialmente para sistemas com concentração de CO2 superior a 50 %, sendo algumas de suas etapas extremamente caras e com muitos problemas operacionais (Mondal et al., 2012; Norahim et al., 2018).
Nesse contexto, o separador supersônico surge como uma alternativa promissora para competir com os outros métodos. Alguns autores apontaram as vantagens deste equipamento como operação simples, ecologicamente correta, pois não é necessário o uso de solventes, é um dispositivo estático, de alta disponibilidade com baixo tempo de residência e extremamente compacto. Além disso, possuem um baixo custo de instalação e operação e melhor desempenho em comparação aos dispositivos de separação convencionais de CO2 (Schinkelshoek & Epsom, 2006).
O separador supersônico e as características desse escoamento
Os separadores supersônicos foram usados para secar o ar em 1989 como sua primeira aplicação comercial (Haghighi et al., 2015). Há muitos estudos sobre a captura de água e remoção de hidrocarbonetos pesados e CO2 do ar ou gás natural (Balk & Willink, 2011; Yang et al., 2014; Sun et al., 2017). No geral, o separador supersônico possui três partes, cada uma com suas respectivas funções e importância para a eficiência do equipamento. A primeira é denominada seção de expansão, seguida da seção de separação e por último a seção de compressão (Altam et al., 2017), como podem ser observadas na Figura 1.
Seção de expansão:
Parte do equipamento que contém o bocal convergente-divergente, onde o fluido entra com velocidade subsônica (relação entre as velocidades do gás e do som, conhecida como número de Mach, é menor que 1.0) na parte convergente do bocal. Com a diminuição da área de escoamento , a velocidade do fluido aumenta enquanto a temperatura e a pressão diminuem, transformando energia potencial (pressão e temperatura) em energia cinética (velocidade), expandindo o fluido.
Em seguida, o fluido escoa pela garganta localizada entre a seção convergente e divergente, onde a velocidade alcança a condição supersônica (Mach maior que 1.0) passando pela sônica (Mach igual a 1.0). A condição supersônica, junto com o aumento da área do bocal ao longo do escoamento, faz a velocidade do fluido aumentar, enquanto a pressão e a temperatura continuam diminuindo até atingir a temperatura de orvalho do gás, e a consequente condensação dele.
Seção de separação:
Nessa seção, as gotas provenientes da condensação são direcionadas para parede, através de um campo centrífugo que pode atingir até 500000x a gravidade, formando um filme líquido na parede do equipamento, que é separado da corrente gasosa (Wen, et al., 2010).
Seção de compressão:
Para recuperar parte da pressão inicial do gás, uma onda de choque é gerada na última seção. Este efeito é alcançado por um rápido aumento do diâmetro do bocal, que acarretará na desaceleração do gás, aumento da temperatura e pressão de forma repentina, podendo recuperar cerca de 65-80% da pressão de entrada (Okimoto & Brouwer, 2002; Fox et al., 2018).
Portanto, uma das condições fundamentais de separação está relacionada à possibilidade de prever e controlar o processo de condensação de CO2 dentro do bocal convergente-divergente presente no equipamento. Para isso, é necessário olhar o assunto pela ótica da termodinâmica
Olhando a termodinâmica mais de perto
Um resumo da termodinâmica envolvida na expansão em um bocal convergente-divergente típico pode ser observado na Figura 2. Nele, o processo foi dividido em 4 etapas descritas abaixo, começando das condições de vapor superaquecido até as condições de vapor úmido.
Ponto 1 → 2:
O vapor entra no bocal na condição superaquecida, e é expandido para condições sônicas, sem cruzar a linha de saturação, devido à geometria divergente do bocal.
Ponto 2 → 3:
Somente no ponto (3) que a linha de saturação é cruzada podendo ocorrer antes ou depois da garganta, dependendo da geometria e da taxa de expansão do gás. Nesse intervalo, alguns aglomerados das moléculas de CO2 começam a surgir e colapsar na tentativa de iniciar a formação de um núcleo estável para crescimento das gotas (fenômeno da nucleação), porém, como a taxa de formação desses núcleos ainda é muito baixa, o vapor continua a se expandir como vapor seco em um estado metaestável.
Ponto 3→ 4:
Nesse intervalo a taxa de formação desses núcleos estáveis (taxa de nucleação) aumenta instantaneamente e atinge seu máximo no ponto (4). Este pico ocorre quando o super-resfriamento (diferença entre a temperatura de saturação e a temperatura do vapor) máximo é alcançado.
Ponto 4 → 5:
A partir do ponto (4) o fenômeno da nucleação efetivamente acaba, e o número de gotas a serem formadas no escoamento permanece constante. Nesse intervalo é onde os núcleos das gotas crescem rapidamente, até o sistema alcançar o equilíbrio termodinâmico através de uma mudança da fase. Para isso, ocorre a liberação de calor latente para a fase de vapor proveniente da fase líquida, provocando um aumento na pressão entre os pontos (4) e (5) indicando que o processo de condensação ocorreu.
Ponto 5 → 6:
Finalmente, a expansão do escoamento entre os pontos (5) e (6) ocorre perto das condições de equilíbrio.
Uma alternativa para compreender este fenômeno complexo baseado em um escoamento compressível, multifásico, e com mudança de fase é a fluidodinâmica computacional (Computational Fluid Dynamics — CFD).
Uso da Fluidodinâmica Computacional (CFD) para estudar esse fenômeno.
Esse tipo de simulação fornece uma estimativa qualitativa e quantitativa desse processo para prever sua eficiência e compará-la com os outros métodos tradicionais. Entretanto, algumas considerações devem ser avaliadas antes da escolha de um pacote CFD como ferramenta, dentre elas estão: a curva de aprendizagem, a capacidade de construir geometrias e malhas, a robustez das técnicas numéricas apresentadas, além da variedade de problemas físicos que é capaz de resolver.
Os softwares mais desenvolvidos e intuitivos são comerciais. Entretanto, o valor da licença destes pacotes implica em um custo elevado para o consumidor final, limitando seu uso. Outra limitação desse tipo de pacote, refere-se ao nível de detalhamento na implementação numérica de seus códigos, o que dificulta o controle do usuário sobre as capacidades do software.
Papel das ferramentas open source
Nesse contexto, os códigos CFD gratuitos disponíveis encontram-se em expansão no mundo conquistando cada vez mais espaço nas universidades e empresas. Dentre eles está o pacote de código livre OpenFOAM (OpenFOAM, 2021), que surge como uma opção viável e muito interessante para a simulação e desenvolvimento de códigos CFD. Ele é um software baseado na linguagem C++ construído com diversos aplicativos e utilitários de pré e pós-processamento, cujo usuário tem acesso a sua documentação completa e pode criar objetos personalizados, como condições de contorno ou modelos de turbulência.
Dentre as principais variáveis e condições operacionais que a fluidodinâmica prevê para avaliar esse processo estão a temperatura e pressão ao longo do equipamento e a fração de líquido produzida na saída do bocal. Um exemplo dessa previsão realizada por CFD está ilustrado na Figura 3.
Considerações finais
O separador de gás supersônico possui uma eficiência que varia com as condições operacionais e do fluido na alimentação. Para uma noção quantitativa, esse equipamento pode atingir uma eficiência 69.69% de captura da corrente de alimentação quando usado em série com outro separador supersônico (Arinelli, 2019). Vale ressaltar que, mesmo utilizado em série, esse equipamento é muito mais leve e compacto que os outros, sendo uma vantagem particular para plataformas, FPSOs e instalações lotadas. Dito isso, esse processo apresenta uma solução alternativa e promissora para mitigar as emissões de CO2 de forma eficiente e ecológica contribuindo para a CCS. Além disso, o uso de uma ferramenta CFD auxilia na previsão da condensação de CO2 em escoamentos supersônicos, com o objetivo de melhorar cada vez mais essa eficiência.
Sobre a Autora do artigo:
Tatiane Machado é Engenheira Química mestre pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Ela atua no time de fluidodinâmica computacional da Wikki Brasil. Ela trabalha na resolução de problemas complexos da Engenharia utilizando softwares open source como o OpenFOAM.
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Referências
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